COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

O tempo ruiu?

Reflexões sobre o papel do tempo em nossas vidas.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
 

Alice: Quanto tempo dura o eterno?

Coelho: Às vezes apenas um segundo.

José Sarney costumava me falar longamente sobre o Padre António Vieira. Com amabilidade ímpar, fazia longas e iluminadas falas sobre o grande sacerdote. Daquelas narrativas, acabou surgindo à minha frente um lutador, intenso em suas agonias, discursos e vivências entre Lisboa e São Luís: saindo dos barcos rumo à Igreja de Santo Antônio, no Centro da Ilha, para pregar contra a escravidão dos índios.

Seus sermões são famosos, mas talvez uma saborosa seja “amor e tempo”, que é parte do Sermão do Mandato. Vieira é tão intenso quanto Santo Agostinho – uma das personagens católicas mais cativantes e que também pergunta: "o que é o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Se ninguém me perguntar, eu o sei; se quiser explicá-lo a quem me fizer a pergunta, já não sei.”

Vivemos uma época que denominei de “juventudismo”. A juventude é muito parecida com as sakuras - as cerejeiras japonesas - cuja beleza não resiste às primeiras chuvas da primavera. Tempos de Facebook, Whatsapp, TikTok e Instagram: as informações são superficiais e intensas, e são descartadas com a rapidez que elas chegam. Dizem que uma notícia não resiste 48 horas na mídia, mas há dez anos ainda ficavam por 72 horas. 

Pequena particularidade pessoal: eu achei uma grande vitória ter perdido cabelos – não tenho mais aquela obrigação de penteá-los ou de ficar irritado porque eles não me obedecem. Renovo a alegria quando vejo um aluno tentando ajeitar um pequeno fiapo na testa, se olhando no espelho do banheiro em frente à minha sala na universidade. Por isso, acho hilário quando me perguntam se vou fazer implante capilar.

Há uma corrida pela eternidade - algo parecido com a velha fábula da fonte da juventude. Um dos defensores de uma das teses - no mínimo controversa - é o Professor David Sinclair, da Universidade de Harvard. Ele argumenta que “envelhecer é uma doença” e, claro, “pode ser curada”. Ele levanta, em seus estudos de manipulação genética, que se pode prolongar extraordinariamente a vida humana, e que o envelhecimento teria de ser tratado como se trata outras enfermidades.

Se, de um lado, os geneticistas querem atrasar o tempo - ao contrário do coelho na estória de Lewis Carroll em “Alice no país das Maravilhas” - que inicio esta coluna - alguns físicos dizem que o tempo não existe! - essa é a opinião do Professor Carlo Rovelli, do Centro de Física Teórica de Marselha, França.

A Mecânica Quântica é uma das teorias de maior sucesso em tecnologia - é a mãe do chip do celular, por exemplo, ou da comunicação quântica, que tá nascendo. Rovelli se baseia nela para elaborar sua tese de inexistência do tempo - principalmente no mundo extremamente pequeno, de moléculas, átomos e fótons.

O problema da Quântica é que disputa, em certos momentos, com a teoria da Relatividade, de nosso Albert Einstein. Na Relatividade, não se pode diferenciar passado de futuro - que seriam mera ilusão. O passado seria como a mão esquerda posta do lado da direita: absolutamente simétricas! Ou seja, ir para um lado ou para o outro não faria diferença, seria como olhar um filme passando para frente ou para trás.

Já os hinduístas afirmam que o que vivemos é uma ilusão. Um argumento que usam é que, quando sonhamos, temos a convicção que aquele sonho está acontecendo! Ou seja, é uma criação, parecido com o filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin, sobre o passo frenético da revolução da indústria. Em tempo: duas imagens ilustram o início dessa crônica: uma real, tirada em 1931, e outra recuperada por um algoritmo de Inteligência Artificial que usei. Qual a melhor?

Antônio Vieira - ia esquecendo de falar - em seu “amor e tempo” diz que “o tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem mais as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.”

Afinal, com qual dos pratos oferecidos acima você fica? Com o tempo de Vieira, que desgasta o amor; de Santo Agostinho, misterioso ou místico; de Sinclair, que namora a eternidade; de Rovelli, ilusório; de Einstein, com espelho retrovisor; ou “nenhuma das alternativas anteriores”, da filosofia hinduísta?

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Talvez a opção seja tomar o caminho de Lewis Carroll, na conversa de Alice com o Gatinho de Cheshire:

- Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?

- Isso depende muito de para onde quer ir - responde o Gato.

- Para mim, acho que tanto faz... - disse a menina.

- Nesse caso, qualquer caminho serve - afirmou o Gato.

- ... contanto que eu chegue a algum lugar - completou Alice, para se explicar melhor.

- Ah, mas com certeza você vai chegar, desde que caminhe bastante.

- Mas eu não quero me meter com gente louca - ressaltou Alice.

- Mas isso é impossível - disse o Gato. - Porque todo mundo é meio louco por aqui. Eu sou. Você também é.

- Como pode saber se sou louca ou não? - disse a menina.

- Mas só pode ser - explicou o Gato. - Ou não teria vindo parar aqui.

* Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.


 

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