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Antonio Carlos Lima é jornalista e escritor, gosta da companhia de pessoas, livros, plantas e bichos, não necessariamente nessa ordem
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Cochrane, o polêmico Marquês do Maranhão

Mais de um ano depois de submeter o Maranhão ao nascente império brasileiro, com a expulsão dos portugueses que insistiam em manter a província sob o domínio de Portugal, o lorde escocês Thomas Alexander Cochrane, 10º. Conde de Donaldson, retornou a São L

Antonio Carlos Lima

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38
Thomas Alexander Cochrane, Marquês do Maranhão

Mais de um ano depois de submeter o Maranhão ao nascente império brasileiro, com a expulsão dos portugueses que insistiam em manter a província sob o domínio de Portugal, o lorde escocês Thomas Alexander Cochrane, 10º. Conde de Donaldson, retornou a São Luís, onde, por seus atos arrogantes, comprometeu em definitivo sua reputação na história do Brasil. De herói da Independência, transformava-se em usurpador.

Cochrane chegou a São Luís no dia 9 de novembro de 1824, aí permanecendo até o dia 18 de maio do ano seguinte. Sem credenciais para tanto, e sob o pretexto de pacificar a província, destituiu o presidente da Junta Provisória eleita com sua aprovação durante a primeira viagem. Depois de longa negociação, obrigou a Câmara, sob a ameaça de canhões e tropas de que não dispunha, a aprovar o confisco de todo o dinheiro do tesouro maranhense (106 contos de reis). Ameaçado de prisão se voltasse ao Rio de Janeiro, como lhe determinara o Ministro da Marinha, seguiu para a Europa. Nunca mais retornou ao Brasil.

No dia 27 de dezembro de 1827, dois anos depois, pelo decreto número 15, o governo brasileiro o demitiu de suas funções, “por se ter ausentado sem a competente autorização”.

A biografia de Cochrane: revisão histórica

No excelente livro Lorde Thomas Cochrane. Um guerreiro escocês a serviço da Independência do Brasil (G. Ermakoff Casa Editorial), publicado no final do ano passado e já saudado como “a mais alentada e bem documentada” biografia desse militar escocês, o escritor George Ermakoff procura demonstrar que os excessos praticados pelo almirante, inclusive no Maranhão, não invalidam os serviços por ele prestados ao país. Por essa razão, questiona a sua exclusão da galeria de heróis da Independência ou quando menos da galeria de heróis da Marinha brasileira, da qual foi o Primeiro Almirante.

Ermakoff não esconde nenhum dos defeitos do biografado, os maiores dos quais foram, sem dúvida, a sua insubordinação e sua obsessão por dinheiro, razões de seus desentendimentos com o império brasileiro. E, mesmo assim, retrata em seu livro um nobre ilustrado, um homem de luzes, um inventor de talento, um guerreiro implacável, um liberal na política, afoito, valente, astuto, vítima de incompreensões e injustiças, inclusive na Inglaterra, pela qual lutou nas guerras napoleônicas.

E, conclusivo, observa que a historiografia brasileira sobre a Independência é, preponderantemente, injusta com o almirante.

O PREÇO DA LIBERDADE

De fato, deve-se a Lorde Cochrane a consolidação da independência do Brasil, com a manutenção de seu território de dimensão continental. Sem ele, concorda a maioria dos historiadores, a nação que nasceu a 7 de setembro de 1822 poderia estar resumida às regiões Sudeste e Sul. Contrárias ao império nascente, as províncias do Norte e do Nordeste, da Bahia ao Amazonas, fizeram ouvidos moucos ao Grito do Ipiranga. Toda a região poderia, talvez, ter permanecido como colônia portuguesa ou se fragmentado em repúblicas independentes, como as que floresceram na América Latina com a expulsão dos espanhóis.

Contratado pelo imperador D. Pedro I, que o colocou no comando da Primeira Armada Nacional e Imperial, formada por grande número de marinheiros ingleses e norte-americanos, obrigou as províncias, uma a uma, a jurarem fidelidade ao império brasileiro. Encerrada com êxito a empreitada, foi recebido no Rio de Janeiro com honras de herói. O próprio imperador foi recebê-lo no cais do porto. Concedeu-lhe a mais importante condecoração do império: a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro. E conferiu-lhe um título de nobreza: Marquês do Maranhão!

Mas, como assinala Ermakoff, as homenagens cessaram no momento em que p lorde apresentou a conta da empreitada. Ele exigia do governo o pagamento do valor correspondente a todas as chamadas “presas de guerra”: os navios e mercadorias que confiscara aos portugueses, os seus bens e propriedades, inclusive os seus escravos. Essa, a exigência que fizera ao próprio imperador na assinatura do contrato. A mesma exigência que fizera ao Chile, pelo qual lutara contra o colonizador espanhol.

Autor da iniciativa da contratação, José Bonifácio, o Patriarca da Independência, fora apeado do poder. D. Pedro lidava com um gabinete conservador, que, como ele próprio, queria conciliar-se com Portugal (governado por seu pai, D. João VI), em busca do reconhecimento do Brasil como nação independente. Além do mais, alegava-se, não houvera uma guerra contra Portugal, mas apenas a luta contra os que, internamente, se opunham à Independência. Não havia, portanto, “presas de guerra”.

No auge das desavenças em torno do pagamento, Cochrane ameaçou rebelar-se. Foi contido por novas promessas e um adiantamento de 200 contos de réis para pagamento dos soldos das tropas. E só desse modo aceitou lutar novamente para debelar a chamada Confederação do Equador, rebelião republicana deflagrada em julho de 1824 em Pernambuco, já disseminada em diversas outras províncias. Cochrane subjugou mais uma vez os rebeldes. Mas pouco depois de chegar ao Maranhão, última etapa da viagem, convenceu-se de que nada mais receberia do governo imperial. E, o que lhe pareceu mais grave, fora avisado por carta de uma confidente da imperatriz Leopoldina, mulher de D. Pedro, que seria preso se voltasse ao Rio de Janeiro. Por isso, o saque, a manu militari. E a debandada.

HISTÓRIA E HISTÓRIAS

No livro História da Independência da Província do Maranhão, publicado em 1862, até hoje única obra inteiramente dedicada ao tema no século XIX (o maranhense Mário Meireles publicou em 1972 a sua História da Independência no Maranhão (Governo do Estado do Maranhão), Luis Antonio Vieira da Silva descreve a reunião da Junta da Fazenda, convocada por Cochrane para decidir o pagamento. Depois de apresentar suas credenciais, títulos e documentos, inclusive as insígnias de Marquês do Maranhão, e de conferir as credenciais dos deputados participantes, apresentou a fatura. Acovardada, a Junta autorizou o pagamento.

A obra de Vieira da Silva sobre a Independência

Reeditada pela Companhia Editora Americana, no Rio, em 1972, hoje esgotada (exige urgente reedição!), essa obra é uma preciosidade, por apresentar um amplo panorama da realidade maranhense da época e da luta dos independentes, como Salvador de Oliveira, no interior da província, onde, em muitas cidades, como Itapecuru e Caxias, a Independência fora proclamada antes da chegada de Cochrane. 

Nas notas à reedição do livro de Vieira da Silva, lê-se parte do artigo de Alfredo Baltazar da Silveira inserto no volume 5 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (página 57): “Não foram a sua desmesurada ambição, o seu doentio amor ao dinheiro, as maneiras bruscas, os seus gestos desordenados, as suas portarias arrogantes, Cochrane já teria sido perpetuado em bronze”. Já o historiador Oliveira Lima escreveu em O movimento da Independência, o Império brasileiro 1821-1889 (Edições Melhoramentos, São Paulo, 1861) que Cochrane foi “o grande condottiere naval da emancipação do Novo Mundo e agente principal da união do Brasil”.

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Mas a ideia que prevaleceu na historiografia brasileira sobre o guerreiro escocês foi a de um mercenário. O historiador Francisco Adolfo de Varnhagen afirma em sua História da Independência do Brasil (Melhoramentos, São Paulo, 1957, 4ª. Edição) que “nenhum justo reconhecimento cabe a seu nome (de Cochrane) de parte da posteridade no Brasil”. E acrescenta: “Seu único ídolo era o dinheiro”. Outro importante historiador, Hélio Viana, citado por Mário Meireles na sua História do Maranhão, diz que ele não teve nenhuma participação nas lutas que então se travavam no interior da província. Um dia, ao visitar Westminster, o ex-presidente José Sarney pisoteou a lápide do almirante e resmungou, entredentes: “Corsário!”

Para George Ermakoff esses julgamentos podem ser injustos, dados os inegáveis serviços que o escocês prestou ao Brasil. No Chile, onde lutou contra os espanhóis para igualmente garantir-lhe a independência, Cochrane é tratado como herói. O poeta Pablo Neruda dedicou-lhe um belo poema. Conheci a imensa estátua que o homenageia na cidade portuária de Valparaíso. Em Londres, seu corpo está sepultado ao lado dos grandes heróis do império britânico.

A REABILITAÇÃO

Quando foi convidado a lutar nas guerras de emancipação na América do Sul, Cochrane, apelidado por Napoleão de “Lobo do mar” por suas façanhas vitoriosas nas guerras da Europa, vivia seu inferno astral. Tinha sido expulso da Marinha inglesa, acusado de aplicar um golpe milionário da Bolsa de Valores. Fora condenado, preso e libertado após um ano de cadeia.

Segundo Ermakoff, o escocês aceitou a missão do Chile, e depois a do Brasil, por duas razões: era um liberal (integrara, pelo voto, a Câmara dos Comuns, onde combatera a corrupção e os privilégios da nobreza) e, portanto, estava disposto a lutar pela liberdade em qualquer parte. Em segundo lugar, viu na empreitada uma excelente oportunidade de ganhar dinheiro, sua obsessão.

Ao retornar à Inglaterra, após evadir-se do Maranhão, empregou todos os esforços à luta pela reabilitação de sua honra e de seus direitos. 

Primeiro, obteve da justiça o arquivamento, por falta de provas, do processo que o condenou no episódio da Bolsa. Depois, conseguiu ser reintegrado à Marinha britânica e reaver seus títulos de guerra. Nos tribunais de arbitragem internacional conseguiu provar que todas as exigências que fizera ao Brasil eram justas, e, por fim, recebeu tudo o que reclamara. Com juros.

No marco das celebrações do bicentenário da Independência, apesar da reabilitação e do reconhecimento de seus direitos, a figura de Lorde Cochrane exige olhar mais atento e desapaixonado. O que nos permite, como resultado de rica pesquisa, consolidada em texto cativante, o livro de George Ermakoff.

Foi essa visão que, no dia 28 de junho de 1901, levou Joaquim Nabuco, então ministro das Relações Exteriores do Brasil do governo republicano, a render homenagem ao Marquês do Maranhão na catedral de Westiminster, quando em Londres se encontrava como integrante de uma força naval brasileira que fora prestigiar as cerimônias de coroação do rei Eduardo VII.

Esse novo olhar não deverá, contudo, mudar os sentimentos que o lorde escocês despertou no Maranhão, onde dificilmente será tratado como herói.

Mesmo que em muitos documentos ele tenha, como o reconquistador Jerônimo de Albuquerque, incorporado ao próprio nome o da província que usurpou, assinando-se: Cochrane e Maranhão!

Autobiografia de Cochrane: edição do Senado

A DEFESA DO ALMIRANTE 

Sobre o episódio do confisco dos valores do Tesouro maranhense por Lorde Cochrane, vale a pena a leitura das memórias que ele publicou em 1859, traduzidas e publicadas pela Edições do Senado Federal sob o título de Narrativas de serviços no libertar-se o Brasil da dominação portuguesa, disponível gratuitamente no site do Senado. No livro, lê-se, às páginas 211 e 212:

“Fui induzido a adotar esse passo não só em razão da experimentada conduta evasiva da parte da administração no Rio de Janeiro, mas por saber que havia atualmente negociações pendentes para a restituição de toda a propriedade portuguesa tomada, como base da projetada paz entre Portugal e o Brasil; em outras palavras, que a esquadra – cujos esforços tinham acrescentado ao Império um território maior que o mesmo Império qual este existia antes da completa expulsão dos portugueses – devia sacrificar-se inteiramente a um arranjo que ela própria tinha proporcionado com haver posto fim à guerra. Proceder tão descarado para com homens cujos serviços haviam sido contratados sob a estipulação expressa do direito às presas, é, talvez, sem paralelo na história das nações; e como oficiais e marinhagem contavam comigo para protegê-los, determinei perseverar em exigir ao Governo do Maranhão – pelo menos um compromisso das quantias que os tomadores haviam prestado em 1823, para as urgentes exigências do mesmo Governo.

Não pouca maledicência sobre mim há caído a respeito desse ato de justiça, o só que a esquadra podia esperar jamais de obter; mas o negócio envolvia a minha própria boa fé para com os oficiais e marinhagem ao mesmo tempo, os quais tinham emprestado o dinheiro somente em consequência de eu lhes assegurar que o Governo do Rio de Janeiro não podia deixar de restituir a soma – tão importante era na ocasião que as urgentes dificuldades da província fossem remediadas sem demora. Singularmente constituído precisava ter o espírito o homem, que, na minha situação, procedesse de outro modo”.

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