
Norte das Águas
Em homenagem ao aniversário de 95 anos do escritor e ex-presidente do Brasil, José Sarney, apresento o livro Norte das Águas (1969), de sua autoria.

José Sarney, ex-presidente do Brasil, é escritor e poeta. Membro da Academia Maranhense de Letras desde 1953, é um dos membros mais antigos da Academia Brasileira de Letras. O livro Norte das Águas marcou a estreia de José Sarney no campo da ficção, da prosa, sendo publicado pela primeira vez em 1969. A obra, que reúne 9 contos, foi ilustrada por Antônio Almeida.
Norte das Águas tem um tom regionalista, por isso, lembra muito a linguagem do escritor Guimarães Rosa. O livro também apresenta um forte teor crítico. O autor demonstra as mazelas sociais enfrentadas pelos moradores de cidades interioranas, sobretudo, do interior do Estado do Maranhão.
Outro aspecto muito relevante da obra de José Sarney é o dualismo da alma humana que, por vezes, é cruel e sanguinária e, em outras, é pura e boa. Há passagens extremamente cruéis que representam vários tipos de violência: física, simbólica e moral. Por outro lado, há também atos de bondade, de amor e de inocência. Logo, a obra transita por entre essas duas faces que todo ser humano tem.
O primeiro conto, intitulado “Abertura do Tanto-faz”, é uma das maiores narrativas do livro, podendo até mesmo ser considerado uma novela. O texto aborda a história de uma cidade pequena chamada Brejal dos Guajas, tão pequena que possuía apenas duas ruas. Durante todo o conto, podemos perceber essa dualidade, esse bipartidarismo, esse dualismo: uma cidade com duas ruas e uma rixa entre dois primos, que são candidatos a prefeito de Brejal.
Eles são inimigos declarados, e têm até duas bandas musicais que os acompanham nos seus comícios e nas suas campanhas. Chega um momento na narrativa em que existem duas prefeituras e duas cartas (falsas) do Coronel apoiando esses dois candidatos. No desfecho da história, há um empate, por isso, o conto se chama “Abertura do Tanto-faz”, porque independentemente de quem estivesse no poder, o seu oponente sempre teria força e domínio sobre a cidade.
Sarney também critica, de forma pontual e certeira, o modo como os indígenas são tratados. O nome do local era Brejal dos Guajas por conta dos Guajajaras como fica evidente no seguinte trecho: “Chamado dos Guajas porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras, hoje longes, perdidos, mortos e domados” (Sarney, 1969, p. 10).
“Abertura do Tanto-faz” fala sobre disputas políticas, jogos de poder e o “jogo das ameaças”, que trata justamente do que acontece nos interiores e em locais mais afastados do centros das cidades de prestígio, onde pessoas poderosas apoiam seus amigos e conhecidos, passando por cima de pessoas muito mais capacitadas, como se dissessem que se elas estivessem no poder e ganhassem, eles também iriam ganhar, mas se perdessem eles iam ser os únicos a arcar com as consequências.
Era um jogo de interesses: “o nosso Partido compadre, foi feito para servir os amigos” (Sarney, 1969, p. 11). Enquanto isso, a maioria da população vivia sem ter consciência da vida fora dos estreitos limites de sua cidade: “Brejal tranquila juntava alguns homens e mulheres e meninos naquelas duas ruas, só eles e as estrelas, impassíveis diante do mundo” (Sarney, 1969, p. 17), como se toda realidade ficassem ali reclusa naquelas duas ruas pacatas e precárias, “era a grande luta da cidade, em todas as esquinas e em todas coisas” (Sarney, 1969, p. 17). Esse conto, enfim, é um alerta sobre a diferença entre política e politicagem.
É possível observar durante toda a construção do livro Norte das Águas a repetição dos números dois e três, que podem ser um tipo de alusão aos diferentes posicionamentos políticos (esquerda, direita e centro). No primeiro conto, como vimos, o que prevalece é o dois. Os próximos três contos, intitulados, respectivamente, de “Os Boastardes”, “Os Bonsdias” e “Os Boasnoites”, dão destaque ao número três, pois cada narrativa apresenta três primos com características e personalidades diferentes: os primeiros são extremamente violentos; já os segundos nutriem uma amizade incondicional e, por fim, os terceiros são sagazes.
“Merencia do Riacho Bem-Querer”, por sua vez, evidencia o número dois, por conta do casal protagonista, que tem um destino trágico após sonhar com um futuro melhor, diferente do que tinha sido traçado para eles. Por outro lado, o conto “Joaquim, José, Margarido, Filhos do velho Antão”, aborda novamente a história de três primos, que lutam pelo próprio espaço no mundo e precisam enfrentar um fazendeiro implacável e desonesto. Já “Beatinho da Mãe de Deus” explora a história de uma guerra política entre duas pessoas, um beato e um político, que o perseguia diretamente, em uma cidade do interior do Estado do Maranhão.
Por fim, mais uma vez, há o foco em duas personagens no conto “Dona Maria Bolota que empresta de bom coração”: Maria Bolota e o padre, que estava de saída da cidade por estar começando a mudar as coisas, e isso poderia ser negativo para o poder da igreja. Os dois últimos contos do livro falam exatamente sobre como a religião pode ser uma forma de manobrar as pessoas, se for utilizada de forma errônea.
Há um trecho muito interessante que pode remeter a toda a obra e que, talvez, possa indicar o significado do título Norte das Águas: “São dias e noites desse tecido dos maranhões alagados e secos, dos tesos e dos lagos” (Sarney, 1969, p. 121). O livro inteiro trata do Maranhão no plural, maranhões, por conta da extensão territorial, da riqueza cultural, natural, material e imaterial do Estado. Assim, percebemos que existem muitos estados dentro do nosso Estado. O norte é a direção para onde as bússolas apontam e as águas podem simbolizar o curso da vida. Com o correr do tempo, seguimos em frente buscando nosso próprio norte, apesar da aridez encontrada pelo caminho.
REFERÊNCIA:
SARNEY, José. Norte das Águas: contos [1969]. Brasília: Isespe, 2020.
Acesse o livro na íntegra aqui: https://josesarney.org/norte-das-aguas-3/
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