COLUNA
Gabriela Lages Veloso
Escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Gabriela Lages Veloso

A Poética de Machado

Machado de Assis é admirado por seus romances, contos e crônicas. No entanto, poucos leitores reconhecem-no como poeta.

Gabriela Lages Veloso

Atualizada em 04/07/2024 às 09h26
Ilustração: Bruna Lages Veloso

Em junho de 2024, foi comemorado o aniversário de 185 anos de Joaquim Maria Machado de Assis, um dos maiores escritores de todos os tempos. Vindo de uma família humilde, foi autodidata e chegou a ser presidente da Academia Brasileira de Letras. Dono de uma extensa obra literária e de um tom irônico inigualável, o autor é admirado por seus romances, contos e crônicas. No entanto, poucos leitores aficionados por literatura brasileira reconhecem o Machado de Assis poeta.

Com o intuito de valorizar e difundir a poesia machadiana, em 2000, com o selo da Global Editora, o poeta e ensaísta Alexei Bueno fez a curadoria e o prefácio dos Melhores Poemas de Machado de Assis. O livro reúne 40 poemas e é subdividido em 5 partes, que correspondem às principais obras poéticas de Machado – a saber, Crisálidas, Falenas, Americanas, Ocidentais e Dispersas. Segundo Alexei Bueno, no prefácio do livro,

Tradicionalmente, e como não poderia deixar de acontecer, a prosa de ficção, cerne da imensa obra de polígrafo de Machado de Assis, relegou a segundo plano – com maior ou menor razão em cada caso – os outros gêneros cultivados pelo mestre carioca. Se na crônica nunca lhe foi negada a importância histórica e a mestria estilística, [...] na poesia que cultivou, como de costume, antes de todos os outros, e que nunca abandonou até o final da vida, erigiu-se a arena de opiniões ligeiras ou deformadas, às vezes violentamente contraditórias, quanto aos verdadeiros merecimentos líricos do mestre do Cosme Velho” (Bueno, 2000, p. 07).

Ao longo da leitura desses Melhores Poemas (2000) podemos notar que a poesia de Machado de Assis tem um tom diferente de suas obras em prosa, uma vez que explora menos a ironia e se concentra em desvendar os meandros das emoções humanas e a beleza da natureza, de modo leve e sutil. A poética machadiana é rica em referências intertextuais e homenagens a grandes personalidades da literatura, filosofia e política mundiais, tais como: José de Alencar; Camões; Homero; Shakespeare; Spinoza, Voltaire e Gonçalves Crespo.

Além disso, os versos machadianos estão intimamente ligados ao Romantismo, por isso, muitos de seus poemas abordam temáticas como o amor, a paixão, a inocência e a saudade, bem como colocam a figura feminina em evidência, inclusive, um dos mais belos poemas do livro é dedicado à sua esposa Carolina – esse texto foi escrito quando o autor enfrentou a dureza do luto e da perda de sua amada. Temas lúgubres também são retratados na poética do “Bruxo do Cosme Velho” – desde a inveja, a ilusão, o ódio, a miséria, a dor, a loucura, a injustiça até a morte. 

Vale a pena ressaltar que Machado de Assis foi, dentre outras coisas, tradutor e, em seus livros, trazia não somente poemas autorais mas também traduções de textos de poetas consagrados. Em Melhores Poemas, por exemplo, encontramos a tradução machadiana do mundialmente conhecido “O corvo”, de Edgar Allan Poe. Apesar de, em alguns aspectos, diferir de sua obra em prosa, a poesia de Machado (que, como vimos, foi o primeiro gênero cultivado pelo autor) apresenta o mesmo grau de compreensão da alma humana:

Mundo interior

Ouço que a natureza é uma lauda eterna

De pompa, de fulgor, de movimento e lida,

Uma escala de luz, uma escala de vida

      De sol à ínfima luzerna.

 

Ouço que a natureza, – a natureza externa, – 

Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida

Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna

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      Entre flores da bela Armida.

 

E contudo, se fecho os olhos, e mergulho

Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo

Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

 

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,

E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,

Um segredo que atrai, que desafia – e dorme.

(Assis, 2000, p. 84).

 

Com esses versos, Machado nos brinda com uma bela descrição de nosso “eu” interior, que é tão extenso, e tão profundo, que pode ser considerado um mundo – com um sol, um abismo e um segredo particular. Um mundo onde somos imortais, eternos. Portanto, Melhores Poemas (2000) é um excelente caminho para desbravar essa outra face de Machado de Assis, que por muito tempo permaneceu nas sombras: ao lermos esse livro, nos deparamos com o lado mais poético, sublime e contemplativo do nosso querido Bruxo. 

REFERÊNCIA:

ASSIS, Machado de. Melhores Poemas [Seleção de Alexei Bueno]. 1ª ed. São Paulo: Global, 2000.

Melhores Poemas está disponível para venda no site da Global Editora: https://grupoeditorialglobal.com.br/catalogos/livro/?id=2092 

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