Doenças mentais

Mídia tende a encurtar procura por diagnóstico e tratamento das doenças mentais

Tese de doutorado mostra que brasileiros recorrem à mídia para se informar.

Imirante Imperatriz, com informações da assessoria

Atualizada em 27/03/2022 às 11h32
Denise Ayres, professora e jornalista fez uma tese de doutorado sobre o assunto.
Denise Ayres, professora e jornalista fez uma tese de doutorado sobre o assunto. (Foto: Angra Nascimento /Imirante Imperatriz )

IMPERATRIZ - O Brasil está doente. São 23 milhões de pessoas sofrendo de doenças mentais, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A região metropolitana de São Paulo possui a maior concentração de pessoas com transtornos do mundo; 30,1% da população, de acordo com pesquisa do Instituto de Psiquiatria de Universidade de São Paulo e a OMS.

Passados 15 anos da aprovação da lei da reforma psiquiátrica que extinguiu os manicômios no país, o preconceito contra a doente mental diminuiu. As pessoas estão mais abertas para falar sobre o sofrimento e procuram a mídia para desabafar e ajudar os outros a enfrentar os transtornos.

“Nesse mundo caótico, as pessoas precisam falar, contar suas histórias de superação e ser reconhecidas”, afirma a professora universitária da Universidade Federal do Maranhão, Campus Imperatriz, e jornalista, Denise Ayres, que acabou de defender a tese de doutorado em Comunicação Social na PUC do Rio Grande do Sul. A pesquisa, intitulada Tecnologia do imaginário: o jornalismo como promotor das doenças mentais, aborda a relação entre os transtornos psiquiátricos e a mídia, após a aprovação da lei antimanicomial em 2001.

A chamada lei da reforma psiquiátrica foi um marco na sociedade brasileira porque proibiu a construção e ampliação de manicômios, procurando reinserir o doente mental na sociedade. Os muros caíram e a não há mais a separação entre normalidade e loucura. Qualquer pessoa pode ser acometida de um transtorno mental. Os paradigmas científicos, também, mudaram, e o conceito de doença mental se fragmentou em vários tipos de transtornos.

Super-homem

O enfraquecimento dos laços sociais, a competição para se manter no mercado de trabalho, a crise econômica, a violência, o trânsito, o corre-corre do dia a dia acabam provocando instabilidade emocional. “O mundo atual exige alta performance. É preciso ser bom em tudo, saber lidar com as pressões, ter um belo corpo, ganhar dinheiro, dar atenção à família e ainda ser feliz. Essa é uma tarefa para o super-homem, não para nós”, critica Denise Ayres.

O resultado é o aumento do número de pessoas que sofrem de transtornos de ansiedade, transtornos de depressão e dependência de álcool, drogas e medicamentos. Os indivíduos não vivem o momento, estão sempre preocupados com o futuro, precisam mostrar resultados e se manter competitivos. Muitos desenvolvem ansiedade, tentando dar conta de tudo; outros acabam deprimidos porque se consideram insuficientes. Muitos terminam no caminho das drogas, álcool ou se refugiam nos medicamentos.

Remediar

A maioria da população não tem dinheiro, tempo e acesso a terapias. O caminho mais rápido para tratar o mal-estar são os medicamentos que agem no sistema nervoso central, os chamados psicotrópicos. Os remédios podem ser prescritos apenas por médicos, mas há um uso excessivo dessas substâncias. Além dos psiquiatras, outros especialistas acabam receitando os medicamentos aos pacientes, como ginecologistas e clínicos gerais.

Os medicamentos para controle da ansiedade, também chamados ansiolíticos, foram os mais consumidos pela população brasileira entre os anos de 2007 e 2010, segundo dados Boletim do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária de 2011. O princípio ativo Clonazepan (Rivotril) liderou a lista em 2010 com dez milhões de caixas, gerando gastos de R$ 92,4 milhões. O segundo da lista é o Bromazepan (Lexotan), com 4,4 milhões de unidades vendidas. “Para dar conta da vida, as pessoas procuram alívio nos medicamentos, sem se dar conta que o modo de vida provoca a doença”, afirma a pesquisadora.

Ajuda

A tese de doutorado analisou o papel importante da mídia para ajudar as pessoas a identificar doenças e procurar tratamento. Há vinte anos, as pessoas tinham vergonha de se expor publicamente porque o doente mental era muito estigmatizado. Ainda existe preconceito, mas as pessoas abordam o assunto com mais naturalidade e utilizam a mídia para falar do sofrimento delas.

Pessoas famosas como os atores Cássia Kiss, Maurício Mattar, Catherine Zeta-Jones e Jean-Claude van Damme, por exemplo, revelaram publicamente que são bipolares.

A tese cita o caso de uma mãe que descobriu o transtorno da filha através de uma revista. A matéria discutia a doença do cantor Roberto Carlos, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), mais conhecido como mania. Quando famosos aparecem na mídia e falam como lidam com a doença, muitas pessoas acabam se identificando e procuram ajuda profissional. Outro caso famoso foi a atriz Luciana Vendramini que sofre do mesmo transtorno e estimulou outras pessoas a buscar tratamento.

De acordo com a pesquisadora, o jornalismo atua como uma espécie de “espaço terapêutico” porque explica o que é a doença, mostra exemplos de pessoas que têm o transtorno e ensina a lidar com ele. A mídia acaba encurtando o tempo de procura por tratamento médico. As pessoas tendem a se identificar com a doença e se dá conta que qualquer um pode ficar doente.

O sofrimento não pode ser abordado apenas como um distúrbio neurobioquímico, mas depende do modo de vida, expectativas de cada um e também da sociedade. “Sofrer é próprio da condição humana, mas precisamos avaliar que tipo de vida nos deixa doentes. Nossa sociedade está criando uma legião de pessoas insatisfeitas e infelizes. Isso sim, é doença”, alerta Denise Ayres.

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