Audiência

Audiência pública apura casos de violência contra jornalistas

Elaine Patricia Cruz/Agência Brasil

Atualizada em 27/03/2022 às 12h06

SÃO PAULO – O Grupo de Trabalho sobre Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República fez na tarde de hoje (25) uma audiência pública para apurar a violência contra profissionais da imprensa em São Paulo. Durante a audiência pública, que ocorreu no Ministério Público, diversos jornalistas foram ouvidos e relataram casos de perseguição e ameaças após divulgação de matérias, principalmente de cunho investigativo policial, e também casos de agressão física e de prisões ocorridas na cobertura da imprensa das manifestações lideradas pelo Movimento Passe Livre.

O grupo de trabalho foi criado pela secretaria por meio da Resolução nº 5, publicada no Diário Oficial da União no último dia 18. O grupo exercerá suas atividades pelo prazo de 180 dias, que podem ser prorrogados por igual período. A intenção do grupo é receber o maior número de informações sobre violações ao trabalho da imprensa e de utilização de armamentos de baixa letalidade pela força policial e tentar propor medidas para monitorar o uso da força policial e de proteção ao trabalho dos jornalistas.

De acordo com José Augusto Camargo, presidente do Sindicato de Jornalistas do Estado de São Paulo, três jornalistas paulistas foram detidos nas manifestações ocorridas nos dias 11 e 13 de junho. Nestas mesmas duas manifestações foram registrados 20 casos de agressões, todos eles comandados por policiais. No dia 17 de junho ocorreram quatro casos de agressão contra jornalistas praticadas por manifestantes. “Também houve casos no interior, que estamos buscando”, disse.

No caso da violência propagada contra jornalistas por policiais, Camargo disse que o sindicato já fez uma ação prévia. “Vamos acionar o Estado. O sindicato está à disposição dos profissionais que queiram individualmente pleitear um dano moral ou agressão e pretendemos entrar também com ação coletiva de prejuízo dos jornalistas. A ação tem muito mais um caráter político do que uma reparação efetiva. É uma condenação coletiva pelo problema que o Estado causou. Ela tem um valor pecuniário que será destinado para uma entidade sem fins lucrativos. Já na questão envolvendo agressão por particulares, a questão jurídica é mais complicada e então teremos que fazer ações políticas”, explicou.

Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apontou 41 casos de violência contra jornalistas em todo o país somente do início das manifestações até a manhã de hoje (25). Do total, 19 ocorreram em São Paulo (com três jornalistas presos, 13 agredidos por policiais e três por manifestantes), seis no Rio de Janeiro (quatro agredidos ou feridos por policiais e dois agredidos por manifestantes), quatro na Bahia (um jornalista preso e três agredidos por policiais), um jornalista ameaçado por um segurança em Brasília, um agredido por manifestante em Porto Alegre, seis agredidos por policiais em Fortaleza, dois agredidos por manifestantes em Porto Velho, uma agressão por manifestante em Campinas e uma agressão por manifestante em Manaus. Além disso, houve vários relatos de carros de imprensa que sofreram ações de manifestantes, como o carro de link da TV Record que foi queimado na frente da prefeitura de São Paulo.

Durante a audiência pública, sete jornalistas foram ouvidos. Dois deles contaram ser alvos de ameaças após a publicação de matérias investigativas. Um deles disse que instalou 16 câmeras de segurança no local onde vive por causa das ameaças. Os demais foram vítimas de violência policial na cobertura das manifestações em São Paulo.

A repórter Gisele Brito, da Rede Brasil Atual, disse ter participado da cobertura de cinco das sete manifestações. Na quinta delas, ocorrida no dia 13 de junho, ela contou ter sido vítima de golpes de cassetete desferidos por um policial em sua nuca, nas pernas e até no rosto. O repórter Vágner Magalhães, do Portal Terra, disse que um policial desferiu um golpe de cassetete contra ele no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na noite do mesmo dia, mesmo após ele ter se identificado como jornalista. “Não oferecíamos qualquer perigo à ordem pública”, disse Magalhães, durante a audiência.

Naquela mesma noite, dois outros profissionais do Portal Terra foram alvo de agressão policial: a repórter Marina Novaes, que foi atingida por gás lacrimogêneo e quase foi presa, e o fotógrafo Fernando Borges, que foi detido por cerca de uma hora mesmo após ter se identificado como imprensa e ter sua mochila toda revistada, sem que estivesse portando qualquer item perigoso ou impróprio.

Segundo Tarciso Dal Maso Jardim, presidente do grupo de trabalho de violência contra comunicadores, os relatos dos jornalistas de São Paulo pode ser comparada à ditadura militar e a situações de guerra. A comparação com a ditadura, deve-se, segundo Del Maso, ao fato da forte repressão policial contra os jornalistas. Já com relação à guerra, o paralelo se faz aos mecanismos de proteção ao trabalho da imprensa.

“Uma das preocupações que se tem em época de conflito armado é com a proteção de jornalistas. A situação aqui em São Paulo guarda algumas semelhanças com esse tipo de proteção: primeiro, a questão de uso de armas químicas. Existe uma convenção, de 1993, que proíbe qualquer tipo de arma química em conflito armado, inclusive gás lacrimogêneo e de pimenta [o que não ocorreu nas manifestações da capital paulista]. Uma outra preocupação que podemos fazer, de paralelo, é que na situação de conflito armado há uma preocupação de se negociar com o comando de militares ou de combatentes de corredores de proteção ou de mecanismos para salvaguardar a vida pela identificação dos jornalistas. A identificação de jornalistas, em situação de guerra, é resguardada ou deveria ser resguardada. O que salta aos olhos em São Paulo é que, apesar da identificação dos jornalistas, houve desrespeito, um descompasso entre essas realidades”, falou.

Após a audiência pública de hoje, Dal Maso diz que o grupo pretende oficiar os órgãos de segurança de São Paulo para procurar saber que tipos de armas foram utilizadas durante as manifestações, com informações sobre lotes e datas de vencimento (nos casos de utilização de gás lacrimogêneo), e também procurar se informar sobre o andamento de processos penais contra jornalistas, como os que foram presos durante as manifestações no exercício de sua profissão.

Eduardo Dias, assessor técnico de gabinete da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, disse durante a audiência que o órgão já se manifestou contra os excessos policiais durante as manifestações e que já foi instaurado um procedimento para apurar os abusos. Dias também disse que as denúncias de utilização de armas não letais fora do prazo de validade (como foi denunciado pela imprensa sobre a utilização de gás lacrimogêneo) será levada para discussão no órgão. “Os excessos [das ações policiais] estão sendo objeto de investigação”, disse durante a audiência pública.

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