Brasil

Piauí lidera ranking de Estados com mais trabalho infantil

Piauí tem nível de trabalho infantil comparável ao do Iraque. Dados são do IBGE com base na Pnad.

G1

Atualizada em 27/03/2022 às 12h49

SÃO PAULO - O Estado do Piauí tem o maior percentual de crianças de 5 a 14 anos trabalhando, de acordo com levantamento realizado pelo G1 com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no último dia 8 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Da população nesta faixa etária no Estado, 11% trabalha.

Depois do Piauí, aparecem na segunda colocação no ranking três Estados com 10% das crianças entre 5 e 14 anos ocupadas: Ceará, Rondônia e Tocantins.

Na outra ponta do ranking, em três Estados, apenas 1% das crianças dentro da faixa etária trabalham: Distrito Federal, Amapá e Rio de Janeiro.

O G1 considerou os dados de 5 a 14 anos porque, dentro desta faixa etária, o trabalho é proibido no Brasil. Com 14 e 15 anos, é permitido o trabalho no país como aprendiz. A partir dos 16 anos, a legislação autoriza o trabalho mediante carteira assinada.

Em todo o Brasil, 5% das crianças entre 5 e 14 anos trabalham, conforme os dados do IBGE: 1,637 milhão do total de mais de 33 milhões. O percentual é metade da média para a América Latina e Caribe (10%), segundo a edição 2010 da pesquisa anual “Estado das Crianças do Mundo”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Entre 5 e 9 anos, são 150 mil crianças ocupadas. Nesta faixa etária, o percentual de crianças trabalhando é baixo em todos os Estados e varia entre 1% e 3% da população na faixa etária. No entanto, se considerados o total da população, os números não são tão baixos assim, destaca o coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho no Brasil (OIT), Renato Mendes. Na Bahia, por exemplo, 21 mil crianças entre 5 e 9 anos trabalham. Em Minas Gerais, 15 mil.

"É muita coisa. Se o ritmo de redução se mantiver, a meta de 2015 (metas do milênio da ONU, de eliminação das piores formas do trabalho infantil) pode estar comprometida", avalia Mendes. Ele diz, porém, que os números são "alcançáveis" se houver melhor desempenho dos municípios para erradicar o trabalho infantil.

Na faixa etária entre 10 e 14 anos, os percentuais de população ocupada sobem e chegam a 19% no Piauí e 17% em Rondônia e no Tocantins. Os índices mais baixos estão no Rio de Janeiro, Distrito Federal, São Paulo e Amapá.

Renato Mendes, da OIT, destaca que é preciso atenção também ao trabalho realizado entre os 14 e os 17 anos. Segundo ele, embora em idade permitida para o trabalho, a maioria desses jovens está no mercado informal e não tem os direitos trabalhistas respeitados.

Conforme dados divulgados pelo IBGE, o total de pessoas entre 5 e 17 anos no Brasil no mercado de trabalho foi de 4,3 milhões em 2009 ante 4,5 milhões em 2008. Destes, 34,6% atuavam na atividade agrícola, com rendimento mensal médio de R$ 278.

Com base nos dados, Mendes avalia como "tímida" a redução do trabalho infantil no Brasil. "A taxa de diminuição do trabalho infantil no país deveria ser bem maior. Você tem condições favoráveis nos últimos quatro anos. O ritmo de crescimento econômico e a redução da pobreza foram mais acentuados, e o ritmo de redução do trabalho infantil não acompanhou."

O gerente de Integração da Pnad, Cimar Azeredo, faz a mesma avaliação. “Com a melhoria que estamos vendo nos indicadores econômicos do Brasil, o trabalho infantil não deveria existir”, afirma.

“É claro que devemos comemorar a redução nos índices, mas há quase um milhão de crianças trabalhando em uma idade em que elas deveriam estar na escola. Enquanto tivermos uma criança que seja nessa condição, teremos um problema.”

Para Mendes, a Pnad indica que, como a taxa de natalidade se reduziu e a taxa de envelhecimento ainda não é tão alta, "esse é o momento de investir na criança".

Mendes diz que "não dá para aceitar" que ainda haja trabalho entre crianças de 5 a 9 anos. Ele aponta, porém, que "estamos chegando a um ponto, no núcleo duro, que é cada vez mais difícil de identificar, de localizar".

É a mesma avaliação da equipe da Pnad. "O trabalho infantil está caindo a um ponto que daqui a pouco não conseguiremos medir na Pnad e vamos precisar de estudos específicos", acredita Azeredo. "É um fenômeno que daqui a alguns anos só veremos em alguns bolsões, em áreas muito específicas."

O coordenador da OIT destaca que o fato de Estados do Norte e Nordeste liderarem o ranking "não é surpresa". Se os dados forem analisados por Estado e cruzados com o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), segundo ele, a percepção é de que, quanto menor o Ideb, maior a taxa de trabalho infantil. "Precisamos priorizar a educação. Não só a oferta, mas também a qualidade. Esse é o caminho", diz Mendes.

A OIT considera o Programa para Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (Peti) do governo federal como uma iniciativa importante para a redução das crianças no trabalho. Aponta como positivas as novas diretrizes do Peti, que aproximam a ação social das ações educativas.

"Essa é a idade em que o adolescente começa a desenvolver critérios de tomada de decisão. Se não tem atratividade para ele na escola, parte para o trabalho, que dá, na avaliação dele, uma satisfação imediata. Se tem que andar 10 quilômetros para ir para a escola, sem perspectiva de satisfação imediata, vai buscar o trabalho. O imediatismo na puberdade é mais latente", afirma Mendes.

De acordo com o coordenador, a situação do Brasil "é bem melhor" que a de países asiáticos e africanos e há tendência de mais melhoria porque, em 2013, o Brasil vai sediar uma conferência mundial sobre trabalho infantil. "Até lá, os dados devem ficar mais positivos." Segundo estatísticas do Unicef, 29% das crianças africanas e 12% das asiáticas trabalham.

Estados

Para Rosângela Lucena, responsável pelo combate ao trabalho infantil no Piauí, o Estado "vem somando esforços para sair do ranking dos Estados com mais trabalho infantil" - no ano passado, o G1 publicou ranking de Estados com mais trabalho infantil entre 5 e 17 anos e o Piauí foi o segundo colocado.

"Na verdade, o papel do Estado dentro da política de assistência social é a capacitação e o monitoramento do trabalho infantil. A atuação é dos municípios. Alguns municípios têm inovado, criado programas para envolver jovens em outras atividades, como campeonatos de dança e de futebol. Não tem para onde correr, é preciso superar essa problemática com educação e atividades socioculturais."

Rosângela diz que 33 mil crianças são atendidas pelo Peti no Estado. "O que a gente ouve dos municípios é que não conseguem localizar essa grande demanda que o IBGE traz como dado. Fizemos levantamentos no Estado para identificar como são feitas as perguntas e em qual período é feito o levantamento. Porque temos cultura de agricultura familiar, que em período de colheita, toda a família se envolve."

Para ela, a questão cultural é o principal motivo de o Estado estar no topo do ranking. "O Piauí é um Estado em que 95% das cidades são de pequeno porte. Quanto menor o município, mais enraizada é a cultura. Muitos ainda acham que se pode superar a pobreza com o trabalho, e não com a educação. Isso vai mudando à medida que a sociedade vai se apoderando, educacionalmente falando. É uma luta de formiguinha e o resultado não tem muita visibilidade, porque não é rápido."

Por meio de nota, o governo do Ceará ratificou a informação de que 33 mil crianças são atendidas pelo Peti no Estado. O governo também disse que se articula permanentemente com a Superintendência Regional do Trabalho, Procuradoria Regional do Trabalho, Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil, "para a identificação de crianças em situação de trabalho infantil e conscientização dos diversos atores sociais de que o lugar de criança é na escola".

A secretária do Trabalho e Desenvolvimento Social do Ceará, Fátima Catunda, afirma que a maior dificuldade é mudar a visão das famílias que acreditam que as crianças precisam trabalhar. “A fiscalização existe e é constante em fazendas e empresas, mas nas pequenas propriedades rurais e familiares é complicado. O trabalho infantil não tem só a ver com pobreza, mas também com cultura. São famílias que acreditam que os jovens precisam trabalhar para ajudar em casa”, afirma.

Cimar Azeredo concorda. “É preciso quase um trabalho de educação da família. É difícil fazer o lavrador do interior entender que o filho não é vagabundo se não ajudar na colheita, que ele precisa ir para a escola”, explica.

Nos últimos anos, todos os Estados reduziram o índice de crianças ocupadas entre 5 e 14 anos. Em todo o país, eram 2,6 milhões de crianças trabalhando - 8% da população na faixa etária. Em 2002, por exemplo, o Piauí também estava no topo do ranking, mas com 20% das crianças ocupadas. O percentual agora é de 11%.

O único Estado a mostrar uma pequena elevação no índice foi Rondônia, mas o gerente da Pnad afirma que ainda é muito cedo para afirmar que o trabalho infantil aumentou no Estado. “Precisamos de mais um ou dois anos antes de chegar a essa conclusão. Pode ser uma flutuação da amostra. Se acompanharmos os últimos anos, a tendência é de queda, mesmo em Rondônia”, afirma.

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