Letras

Encontro para exaltar escritora maranhense na Paraíba

Escritora Lenita Estrela de Sá participa hoje do Encontro Nacional de Escritoras Mulherio das Letras, em João Pessoa; evento homenageia Maria Firmina

Atualizada em 11/10/2022 às 12h35
Lenita Estrela de Sá terá um de seus contos lidos no evento
Lenita Estrela de Sá terá um de seus contos lidos no evento (Lenita Estrela de Sá)

SÃO LUÍS - A escritora maranhense Lenita Estrela de Sá amanhece em João Pessoa, onde participa, como convidada, da abertura do Encontro Nacional de Escritoras Mulherio das Letras, evento que acontece no Espaço Cultural José Lins do Rêgo. Lenita proferirá uma palestra sobre Maria Firmina dos Reis, homenageada do evento, ao lado das escritoras Conceição Evaristo e Algemira Macedo Mendes. E terá o conto “Uma Mulher”, de sua autoria, lido como parte da programação.

O convite partiu da coordenadora do Encontro, romancista Maria Valéria Rezende. O conto deverá ser lido durante a palestra de abertura, com uma Mesa Redonda sobre escritoras brasileiras cujas obras estão sendo resgatadas. A maranhense está participando de duas antologias, sendo uma de poesia, com o poema “Mercado Central”, e outra de contos, com o texto “Visita para um Chá de Camomila”.

O conto é uma fantasia sobre um dia normal na vida da escritora Maria Firmina, em que ela tinha de fazer três coisas: ministrar aula particular de gramática, acoitar um escravo fugido para dar fuga a ele até um quilombo em Itapecuru e continuar a narrativa do romance “Úrsula”.

“A problemática das escritoras do século XIX era assumir publicamente a autoria de seus escritos, tendo Maria Firmina começado a publicar romance com o pseudônimo ‘Por uma maranhense’. Só depois, ela veio a escrever seu nome completo. Em ‘Úrsula’, Maria Firmina, destemidamente, declara que a escravidão era um regime humilhante e odioso, tratando o negro em sua narrativa como um ser dotado de subjetividade e não apenas uma peça que punha a funcionar a engrenagem econômica do século XIX, tendo dois deles (Antero e Susana) um passado africano, evocado em lembranças com suas famílias e com sua tribo”, destaca Lenita Estrela.

O grupo Mulherio das Letras surgiu a partir de conversas informais da Maria Valéria Rezende com outras escritoras brasileiras nos intervalos das feiras literárias que ocorrem no Brasil. As participantes se comunicam pelas redes sociais e o grupo já tem cerca de 5 mil escritoras.

O Encontro é considerado o primeiro nacional desse movimento e a programação vai até o dia 15, em parceria e co-realização oficial da Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba, Fundação Espaço Cultural, Universidade Federal da Paraíba e Fundação Casa de José Américo e da OSC Moenda Arte e Cultura.

Homenageada - Maria Firmina dos Reis nasceu em São Luís, em 11 de outubro de 1825. Foi registrada como filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis. Negra, bastarda, era prima do escritor maranhense Francisco Sotero dos Reis por parte da mãe. Em 1830, mudou-se com a família para a vila de São José de Guimarães, no continente. Em 1847, concorreu à cadeira de Instrução Primária, sendo aprovada, e exerceu a profissão, como professora de primeiras letras, de 1847 a 1881. Enfrentou a barreira dos preconceitos e publicou, em 1859, o romance “Úrsula”, considerado o primeiro romance abolicionista do Brasil e um dos primeiros escritos produzidos por uma mulher brasileira.

FIQUE POR DENTRO

Uma Mulher

Não adianta tentar rabiscar coisa alguma para passar o tempo – não me concentro em nada, com esta agonia do sol escaldante nas pedras do calçamento, o cozido de peixe ainda entalado no esôfago, exalando a fermentação de cheiro verde e cebola; um chá de boldo, quem sabe, algo amargo talvez combine melhor com a tarde abafada desta cidade pequena e pardacenta, que me faz suar sob as mangas do vestido, enquanto o resto da casa ressona, indiferente a meu desespero.

Melhor teria sido que não vivesse aqui, onde a lassidão do tempo recebe como único tempero o cheiro de mar, que se espalha da rua de baixo, lembrando-me o quanto é intensa a vida, repleta de odores, de sentimentos e sons, porque de algum lugar me vem essa espécie de medo que me faz preferir a solidão – na capital seria mais ameno o calor?

Os olhares disfarçados dos conhecidos pelos camarotes tornavam a noite um pouco tensa no teatro, mas ao mesmo tempo alegre, porque sempre era possível encontrar igualmente uma expressão simpática, como a daquele admirador que me escrevera uma carta caudalosa, exaltando a força dos sentimentos e a exuberância da liberdade. Em instantes, começaria a peça, e, então, poderia me refugiar na ficção do espetáculo e me deixar levar pelo devaneio e pela imaginação.

Visitar São Luís para mim era uma festa. Certo é que tantas horas sofrendo com o balanço de uma embarcação habitualmente me deixavam enjoada, embora sempre levasse no bolso da saia uma casca de limão para cheirar, se a maresia me deixasse tonta. Assim que desembarcasse, procuraria o poeta Teotônio Salgado – uma inconfidência: ele também guardava os escritos que tinha, por medo de ainda não estarem maduros, do mesmo modo como acontecia comigo e também ainda era um escritor desconhecido; será que aprovaria minha audácia de escrever um capítulo inteiro sobre os horrores de um sistema econômico tão desumano?

– Dona Maria, para que lado devemos seguir? – perguntou-me Rosa, a paciência em pessoa. – estava completamente vazio o centro da cidade na primeira manhã do ano.

Gostava de janeiro com seu ar de chuva, parecia que tudo se acalmava nesta época amena ou simplesmente tudo se guardava para novo furor: casamentos, batizados, óbitos, adultérios, tudo logo recomeçaria. Não quis passar o Ano Novo em Guimarães. Quem sabe, a mudança de ares não me ajudasse a avançar algumas páginas do romance? Estaria eu inventando desculpas para não escrever como se fosse o mesmo que experimentar brasas ardentes com a ponta dos dedos? Uma narrativa longa suga a gente, comprime o corpo, fustiga o coração, remexe entranhas.

Os olhos do jovem poeta, o modo seduzido como me encarou, apertando-me a mão com força no salão do teatro, ao sermos apresentados um ao outro pelo Teotônio Salgado, teimavam em se intrometer em meus pensamentos, luzindo como faísca de astro cruzando a galáxia, dois fachos de luz a incendiar-me o coração – mas, nesta idade, ainda seria aceitável me deixar tomar por enamoramentos súbitos, que só me serviriam para encher o dia de palpitações perfurantes, fantasias românticas de moça, que só me roubariam a paz necessária para descrever, num capítulo especial, o martírio da preta Susana, sobrevivente da fúria do Atlântico, da fome, da morte e da tortura nos porões de um navio negreiro? Não, eu devia estar enganada, o entusiasmo daquele rapaz idealista (até flores me mandou no dia seguinte) só podia se explicar pelo fato assombroso de conhecer uma mulher com a ousadia de escrever sonetos. Hoje, Maria Firmina é considerada a primeira escritora brasileira a publicar um romance, que circunstancialmente era também abolicionista. Na divulgação da obra de Maria Firmina escritor, deve-se ressaltar o trabalho José Nascimento Moraes Filho, que pesquisando jornais do século XIX para escrever um livro sobre a Missa do Galo encontrou as publicações da escritora, reunindo-as no volume “Maria Firmina – Fragmentos de Uma Vida” (1975), o que reacendeu o interesse pela escritora.

( Fragmento: In Vista para o Central Park e Outros Contos. ISBN: 978-85-919130-3-9)

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